Não raras vezes, tem-se provocado o Poder Judiciário, via embargos de declaração, para que esse supra contradição quanto ao termo inicial da contagem da correção monetária e juros de mora, quando da fixação da condenação, em ações de reparação por dano moral.
Ao contrário do que ocorre na fixação do termo inicial de incidência de juros e correção monetária na indenização por dano material, nas indenizações por dano moral o magistrado deve se ater a algumas outras circunstâncias ínsitas a este instituto, que, por conseguinte, ainda conduzem à produção de decisões divergentes.
Com efeito, há que se considerar que nas indenizações por dano moral a natureza do prejuízo não é tão clara de modo que possibilite aferir com extrema certeza se houve ou não o dano no momento da suposta lesão.
Lado outro, na reparação por dano material há para a vítima um prejuízo material que pode ser imediatamente mensurável, e que, portanto, merece ser restaurado com a incidência de juros e correção monetária desde o evento danoso, a fim de se garantir uma indenização integral.
Assim, independente da natureza jurídica que se atribua a sentença que condena à indenização por dano moral – se declaratória ou constitutiva – a fixação do termo inicial da indenização não deve variar, posto que antes da prolação da sentença que o arbitra, não há mora, eis que não havia valor a ser pago, nem mesmo certeza da existência do dano ou da possibilidade de sua exigibilidade.
Por este motivo, não podem os mesmos entendimentos construídos para a indenização material serem aplicados à indenização moral que, conforme veremos, deve ter efetivamente um termo inicial diferente.
O entendimento que vem se consolidando é de que a indenização por dano moral, por ser fixada apenas no julgamento, deve ser atualizada a partir desta data, pois, antes deste momento, o direito do autor ainda não tinha sido valorado.
De início, esclareça-se que no que concerne à fixação do termo inicial da correção monetária, o tema já é sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, Súmula de número 362, que prescreve: A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2012).
Portanto, no que respeita à correção monetária, a jurisprudência já é uníssona no sentido de que incide somente a partir do arbitramento do dano, posto que somente a partir da sentença ou acordão, há a certeza de que o dano efetivamente existiu, bem como há um valor certo e exigível a ser adimplido, fazendo jus à vítima da pertinente correção monetária, visto que sua aplicação visa garantir o valor real da indenização.
Noutro rumo, no tocante ao termo inicial de incidência dos juros moratórios, ainda não há uma Súmula específica que norteie o rumo das decisões, havendo, por conseguinte, provimentos com mandamentos diferentes.
Destarte, face à ausência de norma reguladora específica, inúmeros são os magistrados que aplicam o enunciado da Súmula 54 do STJ, quanto aos juros moratórios nas indenizações por dano moral, eis que a Súmula assim prescreve: Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.
Entretanto, a nosso entender, este instituto é voltado especificamente à indenização por danos patrimoniais, haja vista que os julgados precedentes da Súmula tratavam pontualmente de indenizações materiais.
Ademais, soma-se a isso o fato de que à época da edição da referida Súmula, que foi em 1992, a celeuma acerca da fixação do termo inicial dos juros nas indenizações por dano moral não possuía a relevância jurídica que tem hoje e, portanto, não podendo ser considerada para edição do referido enunciado.
Corroborando nosso entendimento, em julgado relativamente recente, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) inaugurou um novo entendimento na Corte, já que para a Turma, os juros de mora referentes à reparação por dano moral devem contar a partir da sentença que determinou o valor da indenização.
Para a Ministra Maria Isabel Gallotti, como a indenização por dano moral só passa a ter expressão em dinheiro a partir da decisão judicial que a arbitrou, “não há como incidirem, antes desta data, juros de mora sobre a quantia que ainda não fora estabelecida em juízo”.
A Ministra Gallotti esclareceu, ainda, que no caso de pagamento de indenização em dinheiro por dano moral puro, “não há como considerar em mora o devedor, se ele não tinha como satisfazer obrigação pecuniária não fixada por sentença judicial, arbitramento ou acordo entre as partes”. Ademais, o artigo 1.064 do Código Civil de 1916 e o artigo 407 do atual Código Civil estabelecem que os juros de mora são contados desde que seja fixado o valor da dívida.
Assim, como os danos morais somente assumem expressão patrimonial com o arbitramento de seu valor em dinheiro na sentença de mérito, a Ministra conclui que o não pagamento desde a data do ilícito não pode ser considerado omissão imputável ao devedor, para efeito de tê-lo em mora, pois, em suas palavras, “Mesmo que o quisesse, o devedor não teria como satisfazer obrigação decorrente de dano moral não traduzida em dinheiro nem por sentença judicial, nem por arbitramento e nem por acordo (CC/16, artigo 1.064)”.
Vê-se, portanto, que a aplicação dos juros moratórios a partir do evento danoso, consoante a Súmula 54 do STJ, não é o melhor entendimento aplicável nas indenizações por dano moral, haja vista que, como já dito, neste dano só existe a certeza de sua existência após a confirmação da sentença que o declara.
Ademais, após a declaração de existência do dano e seu arbitramento é que o devedor pode livrar-se da dívida. Do mesmo modo, somente após o trânsito em julgado da sentença ou acórdão, o credor pode exigir o pagamento, sendo a partir deste momento que se deve falar em mora do réu.
Em que pese este argumento, muitas das sentenças que condenam ao pagamento de indenização moral tem o termo inicial de incidência dos juros fixados com base na Súmula 54 do STJ, porém, conforme visto acima, essa não é melhor aplicação do instituto do dano moral.
Não obstante, começam a surgir decisões entendendo que os juros na sentença de indenização por dano moral devem incidir a partir do arbitramento, o que vai de acordo com o nosso pensamento apontado inicialmente.
Com efeito, a incerteza de existência do dano – que só é saneado com a confirmação pela sentença – a inexigibilidade da indenização até o trânsito em julgado, bem como a iliquidez da indenização, fazem concluir, inevitavelmente, pela incidência dos juros e correção monetária somente a partir da decisão final do litígio.
Isso porque, conforme já dissemos, não há como o devedor pagar o valor do dano moral ou mesmo purgar a mora, visto que sequer o mesmo existe no momento da lesão, e, ainda, não há como o credor demandar por dívida incerta, ilíquida e inexigível.
Não cremos que a falta de regulação legal do instituto autorize a aplicação de normas que não se adequem às peculiaridades, posto que, acredita-se não ser essa a melhor hermenêutica, já que ignora suas especificidades.
Todavia, a jurisprudência vem tomando novo rumo, conforme vimos, e por isto acreditamos que em breve teremos uma Súmula específica para a incidência dos juros nas indenizações por dano moral, visto que à medida que o conhecimento sobre o instituto vai se ampliando, o tratamento dado a ele passa a ser mais apurado.
Natalia Lemos Carvalho Soares
OAB/MG 112.565
Diego Silva Rocha
OAB/MG 30.999-E