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Breves apontamentos sobre a Inversão do ônus da prova no CDC

A relevante atividade probatória é desempenhada, a priori, pelas partes e, desse modo, necessário estabelecer os deveres-liberdades processuais de cada qual no desenvolvimento da instrução probatória. Ocorre, porém, que processualmente provar não é um dever jurídico cuja inobservância acarreta às partes uma penalidade, ao contrário, é uma faculdade, uma condição que pode proporcionar conhecimento dos fatos e, em última análise, provimento jurisdicional favorável. Nesse sentido, juridicamente, o ônus da prova decorre do interesse próprio do sujeito de demonstrar nos autos do processo o direito alegado.
Na legislação consumerista (CDC) o consumidor é considerado parte mais vulnerável frente aos fornecedores e, portanto, carecedor de um sistema normativo diferenciado que lhe permita o exercício dos direitos tutelados em igualdade de posição (princípio da isonomia processual). Para tanto, estabeleceu-se uma política nacional interveniente e imperativa nas relações privadas de consumo, consolidando, por fim, princípios e normas jurídicas aptas a alcançar o fim último de proteção às garantias constitucionais do cidadão-consumidor.
Diante dessa realidade, o CDC estabeleceu a possibilidade de inversão do ônus da prova em favor do consumidor, parte vulnerável na relação de consumo, introduzindo na legislação vigente uma nova perspectiva da relação processual e para instrução probatória.

A chamada inversão do ônus da prova, no Código de Defesa do Consumidor, está no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor, ficando subordinada ao ‘critério do juiz, quando for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências’ (art. 6º, VIII). Isto quer dizer que não é automática a inversão do ônus da prova. Ela depende de circunstâncias concretas que serão apuradas pelo juiz no contexto da ‘facilitação da defesa’ dos direitos do consumidor – grifo nosso (STJ, 3ª. T. REsp 122.505-SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 04/06/1998, DJ 24/08/1998,p. 71)

Verossímil pode ser definido como aquilo que parece verdadeiro, que não repugna a verdade, assim o requisito de verossimilhança significa que os fatos alegados pelo consumidor devem guardar similitude ao que normalmente acontece.
A hipossuficiência revela posição de vulnerabilidade do consumidor diante do fornecedor. Tem conceito amplo, não se restringindo apenas ao aspecto econômico, mas também à acessibilidade de informações, conhecimentos técnicos, científicos e tecnológicos.  
Entendemos, porém, que a hipossuficiência limita-se à possibilidade de produção da prova de alguns pontos da demanda e não de toda a matéria constitutiva do direito alegado. Somente naquelas questões em que se verifica a incapacidade do consumidor para realização da prova necessária a inversão do encargo é autorizada. Não se trata, pois, de isentar totalmente o consumidor do ônus da prova, de modo que aos demais fatos deduzidos, nos quais não se verifica a verossimilhança e/ou a hipossuficiência, aplica-se a regra clássica de distribuição do ônus da prova, preconizada no art. 333 do CPC.
Nesse contexto, podemos definir a hipossuficiência e, conseqüentemente, delimitar o campo de incidência da inversão do encargo às matérias que envolvam conhecimentos técnicos, científicos ou tecnológicos inacessíveis à coletividade e à experiência comum, sob pena de isentar o consumidor do ônus probatório e tornar desigual a relação processual, em prejuízo do produtor/fornecedor que ficará excessivamente onerado com o encargo probatório.
No mesmo sentido, não entendemos possível a inversão do ônus da prova quando o consumidor puder provar os fatos constitutivos do direito alegado através de pesquisa nos meios de comunicação, prova testemunhal, expedição de ofícios, dentre outros. Assim, ainda que o fornecedor detenha mais facilmente os meios de prova necessários, havendo a possibilidade do consumidor, por seus próprios meios, também os provar, não resta caracterizada sua hipossuficiência e, assim, inaplicável o disposto no art. 6º, VIII do CDC, sob pena de estimular a inércia e comodismo do consumidor na relação processual.
Importante, também registrar a existência de controvérsia na doutrina e jurisprudência sobre o momento processual indicado para o magistrado verificar os requisitos de admissibilidade e, por fim, determinar a inversão do ônus da prova em favor do consumidor.
Filiamo-nos à corrente que preconiza o momento do saneamento do processo como aquele apto a identificação da necessidade e deferimento da inversão do ônus da prova. Isso, pois o devido processo legal garante às partes o efetivo exercício da ampla defesa e contraditório, garantias constitucionais que não devem ser relativizadas ou esvaziadas em benefício da aplicação de uma regra geral de julgamento.
Dessa forma, consideramos ser o despacho saneador o momento processual apropriado para verificação dos requisitos autorizadores da inversão do encargo e, ainda, para fixação dos pontos sob os quais incidirá a inversão, pois, conforme sustentado alhures, a inversão probatória não isenta o consumidor do ônus da prova de todos os fatos constitutivos de seu direito, mas tão somente daqueles cujo relato se mostrar verossímil ou que caracterizem sua hipossuficiência perante o fornecedor.
Há os que defendem, contudo, que a inversão, sendo regra de julgamento, deve ser aplicada somente quando do provimento jurisdicional definitivo, não havendo violação dos direitos constitucionais, haja vista sua aplicabilidade ser intrínseca às relações de consumo. Segundo tal corrente, o fornecedor previamente reconhece a possibilidade de inversão do ônus da prova e, desse modo, deve precaver-se de antemão dos efeitos desfavoráveis dessa inversão.
Ressalte-se, noutro norte, que a inversão do ônus probatório também não pode impor ao produtor/fornecedor a produção de prova negativa, doutrinariamente, denominada prova diabólica. Também não entendemos possível onerar o produtor/fornecedor com a responsabilidade de produzir prova contra si mesmo.
Por fim, cumpre registrar que a decisão judicial determinando a inversão do ônus da prova, consoante princípio constitucional da motivação das decisões, deve ser fundamentada, de forma a propiciar o contraditório e, se cabível, o exercício do duplo grau de jurisdição pela parte sucumbente na decisão.
Concluindo, a inversão do ônus da prova preconizada pelo CDC, quando corretamente aplicada, objetiva equilibrar a relação processual garantindo, desse modo, o exercícios dos direitos constitucionais por ambas as partes e, em última análise, o acesso efetivo à justiça. Com efeito, busca-se evitar o excesso e superioridade do produtor/fornecedor em relação ao consumidor, porém não se pode perder de vista ser necessário, também, coibir os abusos e o comodismo dos consumidores, sob pena de desvirtuamento do instituto e perda de eficácia da norma jurídica.

Carolina Carvalho Armond – OAB/MG 101.626

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