1 – Introdução
É sabido, pelos que se debruçam sobre o estudo do direito, que as leis não são capazes de acompanhar o dinamismo social. Em dados momentos, essa defasagem entre o nível dos avanços da sociedade e a estagnação das normas jurídicas atingem tal patamar que se torna imprescindível a sua atualização, para que possam contemplar os anseios das relações entre as pessoas.
Recentemente percebeu-se que o nosso Código de Processo Civil, de 1973, não é mais capaz de satisfazer as necessidades da sociedade brasileira. A acessibilidade ao Judiciário que esse Código louvadamente promoveu, fez com que a quantidade de demandas judiciais atingisse um nível nunca antes alcançado.
Desse aumento na quantidade de demandas, surge a necessidade de estabelecer e consolidar novos princípios capazes de auxiliar os operadores do direito a oferecerem à sociedade uma prestação jurisdicional eficaz, já que os procedimentos, requisitos e formatos consolidados no Código de Processo Civil de 1973 não mais o fazia.
Nesse panorama, foi aprovada a Lei 13.105, o Novo Código de Processo Civil, trazendo várias inovações. Dentre elas, abordaremos neste trabalho as que dizem respeito sobre a Tutela Antecipada de Caráter Antecedente e seus efeitos de estabilidade.
2 – Tutela Antecipada no Código de Processo Civil de 1973
O Código de Processo Civil de 1973 traz as previsões e hipóteses de tutelas de urgência em seu Título VIII – Do Processo e do Procedimento – Capítulo I, Art. 273, apresentando os requisitos para que o juiz possa antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida.
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.”
Para Elpídio Donizetti, “dá-se o nome de tutela antecipada ao adiantamento dos efeitos da decisão final, a ser proferida em processo de conhecimento, com a finalidade de evitar dano ao direito subjetivo da parte.” (DONIZETTI, Elpídio, Curso Didático de Direito Processual Civil, 15ª Edição, p. 404)
Esse adiantamento tem como escopo a proteção de direitos que estão sob o risco de perecimento. Dessa forma, a antecipação dos efeitos de uma decisão final se faz possível na medida em que há risco de dano ao direito da parte – periculum in mora – impedindo que se espere o curso normal dos atos processuais até decisão final da tutela pretendida.
Outro requisito para a concessão da medida é a plausibilidade do direito invocado – fumus boni iuris – que se traduz no indício de que o direito pleiteado realmente existe, é a verossimilhança das alegações.
É comum que o pedido de tutela antecipada se faça ainda no bojo da petição inicial, podendo até, em certos casos, ser concedida em inaudita altera parte, ou seja, sem a oitiva da parte contrária. Entretanto, a antecipação de tutela pode ser requerida em qualquer fase processual, inclusive na fase recursal.
Destaca-se que o texto legal atribui um caráter provisório à tutela antecipada. Contudo, em certas situações a concessão da medida gerará uma irreversibilidade fática inevitável.
Veja-se o exemplo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C COMINATÓRIA E INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. INADIMPLEMENTO DE CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE POR MAIS DE 60 DIAS. RESCISÃO AUTOMÁTICA DA AVENÇA. IMPOSSIBILIDADE. NOTIFICAÇÃO ENVIADA À RESIDÊNCIA DOS AGRAVADOS. RETORNO DA CORRESPONDÊNCIA. NÃO PERFECTIBILIZAÇÃO QUE IMPOSSIBILITA A RESOLUÇÃO DO AJUSTE. AUSÊNCIA DE CIÊNCIA DOS CONTRATANTES ACERCA DAS IMPLICAÇÕES DO INADIMPLEMENTO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. CRIANÇA BENEFICIÁRIA DO PLANO ACOMETIDA DE GRAVE MOLÉSTIA. NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DO CONTRATO EVIDENCIADA. IRREVERSIBILIDADE DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL. PREVALÊNCIA DO DIREITO À SAÚDE QUE SE IMPÕE. LIMINAR MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. “A exigência da irreversibilidade inserta no § 2º do art. 273 do CPC não pode ser levada ao extremo, sob pena de o novel instituto da tutela antecipatória não cumprir a excelsa missão a que se destina” (STJ, Recurso Especial n. 144.656, do Espírito Santo, rel. Min. Adhemar Maciel, j. 06-10-97). (TJ-SC – AI: 546610 SC 2008.054661-0, Relator: Victor Ferreira, Data de Julgamento: 22/03/2010, Quarta Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Agravo de Instrumento n. , de Caçador)
Como se vê no julgado, possível irreversibilidade do provimento não pode ser considerado critério absoluto para indeferimento da medida. Há que se fazer em cada caso concreto um juízo de valor entre os bens jurídicos em questão.
Ressalta-se que, mesmo nos casos em que a concessão da tutela antecipada se tornar irreversível, esta não tem o efeito de extinguir o processo, devendo este seguir o seu curso normalmente até decisão final.
Ensina o professor Humberto Theodoro Júnior que “a medida antecipatória jamais poderá assumir o efeito exauriente da tutela jurisdicional. Mesmo deferida in limine, o processo forçosamente terá de prosseguir até o julgamento final de mérito.” (JÚNIOR, Humberto Theodoro; Curso de Direito Processual Civil; Volume I)
Nesse contexto, a decisão que versar sobre concessão ou indeferimento da Tutela Provisória tem caráter de decisão interlocutória. Recurso cabível para atacar tal decisão é Agravo de Instrumento. Vide art. 522 do Código de Processo Civil:
“Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias (…).”
Como afirmado anteriormente, os avanços sociais fizeram surgir a necessidade de contemplação de novos princípios e a adoção de procedimentos simplificados e que permitam maior celeridade e eficácia ao processo.
Diante disso, veja-se quais as mudanças foram trazidas pelo Novo Código de Processo Civil.
2 – Tutela Antecipada no Novo Código de Processo Civil
A massificação das demandas judiciais e a necessidade de abandono do formalismo norteou o Novo Código de Processo Civil, com seu sincretismo.
Percebe-se claramente a adoção de mecanismos e procedimentos com o intuito de desafogar o Poder Judiciário. Incidentes de unificação de decisão de demandas repetitivas e o fomento à autocomposição são exemplos claros dessa tendência.
Nessa toada, mudanças significativas foram promovidas em relação ao procedimento de concessão da Liminar em Tutela Antecipada.
Sua previsão se estende do art. 294 ao art. 311 do Novo Código de Processo Civil, e se divide em Tutela de Urgência e Tutela de Evidência.
A Tutela Antecipada de Caráter Antecedente tem os mesmos requisitos da Tutela Antecipada do Código de 73, porém com uma pequena e significativa mudança. O risco de dano – também conhecido como periculum in mora – segue como elemento para sua concessão. O outro requisito do CPC de 73, verossimilhança das alegações, agora dá lugar à probabilidade do direito invocado.
Entende-se que probabilidade é qualidade daquilo que é provável.
“Razão ou indício que faz supor a verdade ou possibilidade de um fato. Existe uma proposição matemática para todas as situações de probabilidade. Seja M o número de eventos igualmente prováveis em uma dada situação. Seja N o número destes eventos que nos interessam. Então a probabilidade de suceder algum destes eventos é N/M.” (disponível em: http://www.dicio.com.br/probabilidade/)
Dessa forma, o Novo Código passa a admitir o que provavelmente aconteceu.
3 – O Efeito da Estabilidade da Tutela Antecipada de Caráter Antecedente
As mudanças promovidas no Novo Código de Processo Civil em relação à Liminar em Tutela Antecipada não se limitam à sutil alteração quanto aos seus requisitos.
A mudança que chama bastante a atenção e que inclusive motivou as explanações trazidas e a elaboração do presente artigo, diz respeito aos efeitos da estabilidade da Liminar em Tutela Antecipada de Caráter Antecedente.
“Art. 303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial poderá limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou risco de resultado útil do processo.”
Dessa forma, a petição inicial no NCPC poderá limitar-se a indicar a tutela antecipada tão somente, sendo facultado ao Autor o aditamento da peça com o pedido principal.
Contudo, nos casos em que assim proceder e sendo deferida a liminar, o jurisdicionado terá o prazo de 15 dias, ou prazo maior fixado pelo juiz, para aditar o pleito com o pedido principal, acostando novos documentos e complementando sua argumentação. Vide art. 303, §1º do NCPC.
Porém, caso haja o indeferimento da medida liminar, o Requerente terá que aditar o pedido em 5 dias, sob pena de extinção do processo sem resolução de mérito
Da decisão que apreciar o pedido liminar, caberá Agravo de Instrumento. Vide art. 1015 do NCPC.
Ainda sob o viés de celeridade e economia processual, prevê o Novo Código que se da decisão que deferir a liminar não houver recurso, esta restará estável.
Vejamos:
“Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.”
É sabido que o objeto da ação consiste naquilo que a pessoa pretende ao ajuizar uma demanda.
Imaginemos então as situações em que o deferimento da medida liminar implicará numa irreversibilidade do provimento e na perda do objeto da ação, como, por exemplo, a decisão em tutela antecipada que defere o tratamento de uma enfermidade às expensas do plano de saúde.
Ao ter atendido o pleito em casos assim, diante da irreversibilidade fática inevitavelmente atingida, não há porque o processo seguir todo seu curso, gerando custos para o Estado, para as partes, e para a população em geral que vê o Judiciário, já abarrotado de demandas, ter que se debruçar até o fim sobre uma lide em tese já resolvida.
Nesse contexto, com as alterações promovidas no NCPC, a liminar deferida que atingir a estabilidade – em que não tiver recurso interposto pelo demandado – basta que o Requerente não adite a Petição Inicial e o processo poderá ser extinto. Vide § 1.º do Art. 304.
Importante ressaltar que a decisão que deferir a liminar não faz coisa julgada, podendo a parte Requerida, ainda que não tenha recorrido da decisão que deferiu a tutela, interpor nova demanda com o intuito de fazer a liminar ser revista em até dois anos.
4 – Conclusão
O advento do Novo Código de Processo Civil trará muitas mudanças com a finalidade de otimizar os procedimentos, reduzir o tempo de tramitação das demandas judiciais e desafogar o Poder Judiciário da quantidade de ações.
No que tange à novidade trazida à lume, a possibilidade de ver satisfeita uma pretensão urgente com a simples interposição de um pedido liminar sem a necessidade do desgaste de todo o percurso normal de um procedimento ordinário constitui, sob a nossa ótica, relevante avanço.
Aguardemos, portanto, a vigência do novo código para vermos em termos práticos se as tão almejadas celeridade e economia processual serão atingidas, garantido aos jurisdicionados uma reposta satisfatória do Poder Judiciário na solução de litígios.
Autor: Gabriel de Castro Menezes
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