Em exemplar sentença da lavra do e. Juiz Carlos Roberto Loiola, exarada em ação indenizatória por danos materiais e morais manejada por consumidores contra duas empresas aéreas (2971718-06.2011.8.13.0024), restou afastada a solidariedade prevista no art. 28, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, ao argumento de ausência de consórcio entre as rés e, no mérito, em bem humorado texto, julgada parcialmente procedente apenas em face de uma das rés.
A decisão, expurgada do habitual “juridiquês”, enfrentou os fatos, fundamentos jurídicos e provas produzidas pelas partes em linguagem clara, objetiva e acessível ao cidadão comum.
No momento em que muito se discute a dificuldade do jurisdicionado em entender os termos utilizados nos processos judiciais, tanto pelos advogados quanto pelos juízes, promotores e demais operadores do direito, a leitura dessa sentença é prova inequívoca de que é possível fazer justiça sem o rebuscado e ininteligível vocabulário comumente utilizado nos ambientes forenses. Vale a pena lê-la!
EMENTA: Contrato de prestação de serviços. Viagem internacional. Antecipação de voo adquirido com antecedência de 9 meses. Fato comunicado aos autores com antecedência. Transtornos causados. Danos materiais e morais ocorrentes. Inexistência de provas quanto à ocorrência de danos provocados pelos prepostos da TAM. Pedidos julgados parcialmente procedentes em relação à Copa Air Lines e improcedentes em relação à TAM.
SENTENÇA
Vistos etc.
M. V. L. C. e outros ajuizaram a presente ação em face de Copa Air Lines – Companhia Panemena de Aviacion S/A e TAM Linhas Aéreas S/A. alegando terem adquirido diretamente da primeira ré passagens aéreas, ida e volta, para os Estados Unidos da América, com antecedência de 9 meses, e, depois disso, providenciado a compra de pacotes de outras empresas, como hotéis, parques de diversão da Disney, aluguel de carro e outras coisas mais que os brasileiros costumam fazer lá na terra dos Tios Sam, Patinhas e Michey Mouse. Contudo, algum tempo depois da aquisição, sem prévio aviso, a Companhia Aérea antecipou o voo de ida, de um dia, obrigando os autores a renegociarem alguns dos serviços já contratados, o que acabou por trazer muitos transtornos, pois ninguém mais está preparado nesse mundo, para esse tipo de situação, nem lá na terra dos gringos, de modo que eles passaram por muita angústia e aflição, porque nem sabiam falar inglês para tentarem resolver o imbróglio. Para piorar as coisas, no retorno ao Brasil, houve ainda um transtorno com a conexão que os trariam de São Paulo a Beagá. Pediram ressarcimento da quantia de R$1.562,06, pelos danos materiais e danos morais a serem arbitrados para cada um deles, juntando um bom calhamaço de papel.
Regularmente citadas as requeridas contestaram o pedido. A TAM alegou que não teve nada a ver com a história narrada, pois somente foi responsável pela viagem de São Paulo a Beagá, que estava marcada para as 08:40h. e ocorreu às 10:06h., em aeroporto distinto daquele previsto para o embarque, lá em Sampa, mas nada de anormal. Disse que não há solidariedade com a outra companhia aérea porque foi contratada apenas em face de um remanejamento de voo e que não houve falha na sua prestação de serviços. A Copa afirmou que realmente cancelou o voo, mas que avisou os autores com três meses de antecedência; que os autores não provaram nenhum dano material; que os autores não sofreram nenhum dano moral, pugnando pela improcedência dos pedidos.
Prova exclusivamente documental.
É o relatório. Decido.
Diferentemente da lei comercial, em que as empresas consorciadas, em princípio, somente se obrigam em nome próprio, perante o Código de Defesa do Consumidor há solidariedade entre empresas consorciadas. É o que estabelece o art. 28, § 3º, do CDC:
“Art. 28.
(…)
§ 3º. As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código”.
Contudo, para que haja a responsabilidade solidária, é necessário haver um consórcio entre as empresas envolvidas no negócio.
No caso em testilha, esse consórcio não restou demonstrado, uma vez que os autores fizeram a contratação diretamente com a Copa Air Lines e nem havia previsão de participação da TAM no indigitado transporte. A TAM somente entrou na história no retorno dos autores, de São Paulo para Beagá, em face de remanejamento de voo, ou seja, prestando serviço autônomo, distinto, tal como aconteceria se fosse um serviço de taxi, sem qualquer relação com o pacote ou serviço adquirido pelos autores da Copa Air Lines.
Assim, não vejo como demonstrado o tal consórcio entre as empresas, devendo ser afastado, assim, o pedido de reconhecimento de solidariedade entre as rés, cujas responsabilidades, portanto, deverão ser analisadas de per si, individualmente, como manda o Código Civil.
A antecipação do voo tornou-se fato incontroverso, inclusive que os autores ficaram sabendo dessa antecipação com bastante antecedência (f. 32/36). Assim, mesmo que se considere que a Copa tenha comunicado os autores com antecedência legalmente prevista, este fato não a dispensa de ressarcir eventuais prejuízos provados com a antecipação do voo.
Contudo, analisando a farta documentação juntada pelos autores, um calhamaço de papel, só encontrei uma única despesa realmente comprovada e que não estava prevista no pacote todo, que foi o documento de f. 68, no valor de US$124,05. O mais foi decorrente do próprio pacote mencionado por eles.
Despesas que eles iriam suportar ainda que não houvesse a tal antecipação. Assim, quanto ao dano material, tenho como provado apenas indigitado valor. Nada mais. E a responsabilidade pelo ressarcimento dele é indelével da empresa Copa, que antecipou o voo de um dia, obrigando os autores a adquirirem hospedagem para esse dia antecipado. A TAM não tem responsabilidade alguma por tal prejuízo, até porque nem havia sido contratada para tal prestação de serviço.
Quanto ao dano moral, tenho que a antecipação do voo realmente causou transtornos aos autores. Não pelo aperto que eles passaram por estarem lá na terra do Tio Patinhas sem saber falar inglês, porque isso eles iam passar de qualquer forma e não foi a antecipação de voo que causou este mal estar tão decantado na petição inicial. Tão ao gosto do mau humorado Tio Patinhas. Isso foi em decorrência da própria aventura. Mas, houve, com certeza, transtornos com o fato de terem que remarcar o hotel e alguns passeios. Mas, nada de mais anormal e grave. Nonada! Diria Guimarães Rosa.
A responsabilidade pelos transtornos morais causados com tal fato somente pode ser imputada, de igual forma, à Copa Air Lines, porque a antecipação do voo foi sua responsabilidade exclusiva.
Com relação aos possíveis transtornos causados aos autores com o voo da TAM de Sampa para Beagá, penso que isso foi um transtorno decorrente da própria prestação do serviço, na medida em que o voo estava previsto para 08:40 horas e saiu de lá às 10:06h. dentro das quatro horas regulamentares. O só fato de ter havido troca de aeroporto não indica qualquer falha na prestação do serviço, até porque, para voar, o avião precisa ter condições mínimas de decolagem e pouso e isso varia a cada segundo, de acordo com as condições climáticas e é previsto na norma legal. Além disso, não ficou provado nenhum transtorno causado por qualquer preposto da TAM a tal respeito.
Com relação à repercussão financeira de cada autor com os indigitados transtornos morais com a antecipação do voo da Copa Air Lines, considerando que eles estavam só curtindo a vida lá na terra da liberdade, viagem de aventuras, e tiveram apenas que remarcar um dia de hotel e cancelar o último da viagem, penso que eles não foram tão significantes assim. Mas são indenizáveis, mais por punição do que por compensação. Assim:
“EMENTA: EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO –
RESPONSABILIDADE CIVIL – TRANSPORTE AÉREO –
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – VÔO –
CANCELAMENTO – DANO MORAL – CRITÉRIO DE
ARBITRAMENTO – DANO MATERIAL – NÃO
COMPROVAÇÃO.
1) As disposições do Código de Defesa do Consumidor são
aplicáveis para dirimir as pendentes decorrentes da relação
entre o passageiro e a empresa de transporte aéreo. 2) A
impontualidade da companhia área decorrente de atraso de
vôo, causa transtornos de toda ordem aos passageiros,
ensejando indenização por dano moral. 3. No caso, a
indenização é mais punitiva do que compensatória. 4)
Quanto aos danos materiais, somente aqueles efetivamente
comprovados e decorrentes do atraso do vôo, devem ser
ressarcidos.” (TJMG. 1.0024.06.084956-9/001. Relator(a):
Des.(a) Marcos Lincoln. Data da publicação da súmula:
21/01/2013).
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – TEMPESTIVIDADE –
PROTOCOLO POSTAL – INDENIZAÇÃO – CONTRATO
DE TRANSPORTE AÉREO – CANCELAMENTO DE VÔO
– DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO –
RESPONSABILIDADE OBJETIVA – AUSÊNCIA DE
ASSISTÊNCIA AO PASSAGEIRO – PERDA DE
COMPROMISSOS – DANO MATERIAL – PREJUÍZOS
COMPROVADOS – FRUSTRAÇÃO DE LEGÍTIMA
EXPECTATIVA – DANO MORAL CONFIGURADO –
QUANTUM – MANUTENÇÃO. I- A Resolução nº 462/2010
deste e. TJMG regulamenta o uso do protocolo postal, serviço
disponibilizado aos advogados para a remessa de petições via
Correios, sendo certo que é tempestivo o envio realizado em
observância ao prazo processual para a prática do ato e no
período compreendido entre as 9h e às 20h, conforme dispõe o
art.5º da norma. II- O atraso de vôo por companhia aérea
configura defeito na prestação de serviço, devendo a empresa
ressarcir os danos materiais e morais, suportados por
passageiro, à luz da “teoria da responsabilidade civil objetiva”.
III- É dever da companhia aérea, nas hipóteses de atraso e
cancelamento de vôos, disponibilizar a devida assistência aos
passageiros, observadas as circunstâncias do caso. IVComprovados
os prejuízos havidos em decorrência da
situação gerada pela conduta antijurídica da parte
requerida, impõe-se o dever de indenizar. V- Extrapola os
limites do mero aborrecimento o descumprimento do
contrato de transporte aéreo de passageiros, em virtude do
desconforto, da aflição e dos transtornos ocasionados pela
frustração da expectativa em relação ao serviço
contratado, configurando dano moral. VI- A indenização
pelos danos materiais deve corresponder ao valor
comprovado das perdas de tal natureza experimentadas
pelo ofendido; a reparação dos danos morais, por sua vez,
deve se dar em valor suficiente e adequado para
compensação dos prejuízos vivenciados, desestimulandose,
por outro lado, a prática reiterada da conduta lesiva
pelo ofensor. V.V.P. DANO MORAL – JUROS E
CORREÇÃO MONETÁRIA – DATA DE INCIDÊNCIA: Em
se tratando de danos morais, a correção monetária e os juros
de mora são devidos a partir do provimento que estipula a
indenização, já considerada atualizada naquela data, mesmo
porque até então não se tinha idéia de qual valor seria devido,
para que sobre ele incidissem aqueles consectários legais.”
(Des. Vogal) (TJMG. 1.0105.10.028076-4/001. Relator(a):
Des.(a) João Cancio. Data da publicação da súmula:
12/08/2013).
“EMENTA: APELAÇÃO CIVEL – AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO – ATRASO EM VÔO AÉREO –
APLICABILIDADE DAS NORMAS PREVISTAS NO CDC
– DANO MORAL E MATERIAL CONFIGURADOS –
MENSURAÇÃO DOS PREJUÍZOS – FINALIDADE
COMPENSATÓRIA E PUNITIVA.
– A responsabilidade do transportador é objetiva, nos termos
do art. 14 do CDC, respondendo, independentemente de culpa,
pela reparação dos danos que eventualmente causar pela falha
na prestação de seus serviços.
– É cabível indenização a título de dano moral pelo atraso
de vôo. O dano decorre da demora, desconforto, aflição e
dos transtornos suportados pelo passageiro, não se
exigindo prova de tais fatores. Precedentes do STJ.
– A reparação moral tem função compensatória e punitiva. A
primeira, compensatória, deve ser analisada sob os prismas da
extensão do dano e das condições pessoais da vítima. A
finalidade punitiva, por sua vez, tem caráter pedagógico e
preventivo, pois visa desestimular o ofensor a reiterar a
conduta ilícita.
– O valor fixado a título de danos morais não carece de ajustes,
eis que fixado em quantia razoável, diante das circunstâncias
do caso concreto.” (TJMG. 1.0525.11.015122-8/001.
Relator(a): Des.(a) Tibúrcio Marques. Data da publicação da
súmula: 26/04/2013).
Acho que o fato deve ser tratado mais com o bom humor do Michey e do Pateta com que os autores foram lá para a Disney, do que com a sovina do Tio Patinhas revelada a todo momento na petição inicial. Assim, penso ser justa a condenação da empresa ré na quantia de R$2.000,00 a título de indenização por danos morais, individualmente, para cada um dos autores.
Pelo exposto julgo parcialmente procedente o pedido formulado na inicial para condenar a empresa Copa Air Lines – Companhia Panamena de Aviacion S/A a ressarcir aos autores a quantia de R$240,08 (duzentos e quarenta Reais e oito centavos) a título de danos materiais provados, valor este que deverá ser corrigido monetariamente, desde a data da despesa, mais juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação, até o efetivo pagamento e mais R$8.000,00 (oito mil Reais), a título de danos morais, valor este que deverá ser corrigido monetariamente, mais juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da publicação desta sentença, até o efetivo pagamento.
Condeno a ré Copa Air Lines no pagamento das custas e nos honorários advocatícios do ex-adverso, arbitrados em 10% sobre o valor da causa, que deverá ser atualizado pelos critérios adotados pela eg. CGJ/MG, desde a publicação desta sentença, de caráter constitutivo de tal crédito.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
(2971718-06.2011.8.13.0024)