Não se pretende aqui esgotar o assunto ou estabelecer verdades absolutas, mas, sim, gerar uma reflexão sobre o tema.
Pode-se observar que desde o começo da civilização, o ser humano percebeu que para obter sua sobrevivência e ter suas necessidades básicas asseguradas seria necessário o agrupamento junto aos seus semelhantes, pois assim, a vida em comunidade implicaria a melhor opção. Nos dizeres de Venosa (2006, p. 229) “a necessidade ou premência de conjugar esforços é tão inerente ao homem como a própria necessidade de viver em sociedade”.
Nesse diapasão, percebeu-se que o agrupamento de esforços com outros homens seria a forma mais proveitosa para vencer os obstáculos ou alcançar ideais que, individualmente raramente seriam atingidos.
O exame dos fatos históricos revela que no grau em que a sociedade vai se formando e organizando, nasce a necessidade de regras de conduta e, assim, consequentemente, o Estado ditando as regras a serem cumpridas já que representa a forma de organização social e política.
Este Estado tem por objetivo permitir o desenvolvimento que favoreça o crescimento dos campos social, produtivo e cultural, pois o que era de esforço individual passou a ser de interesse de uma coletividade que necessitou ter uma ordem jurídica (criação do Estado) para reger os atos dos indivíduos que não mais eram isolados no sentido de direitos, mas que formavam uma sociedade em que a ordem jurídica era necessária para a convivência harmônica como objetivo final de alcançar a pacificação social.
Pois bem.
Tecidas breves considerações acerca da criação do Estado (Direito) necessário então pontuar qual vínculo que se estabelece entre as normas jurídicas e o Estado.
O homem vivendo em sociedade tem suas ações e omissões reguladas por uma série de limitações que são submetidas à regra do direito.
Destaco aqui que uma das formas em que o direito se exprime é através da lei, que tem como escopo o bem comum e como regra, a lei é de caráter imperativo, ordenando dar a cada um o que lhe é devido.
É com fundamento nesta noção de bem comum que o direito se apresenta como instrumento de justiça e, consequentemente, acredita-se que a própria natureza racional do homem pede a sua vida em sociedade já que lhe é garantido a denominada “justiça”.
Contudo, patente que em muitas das vezes, as transformações que atingem a sociedade não são contempladas pelo direito, a lei. É nesse sentido então que surge a seguinte indagação: fenômeno social muda o direito?
Tenho que o direito enquanto “fenômeno social” abre-se para uma análise referente aos hábitos praticados em uma sociedade, ao passo que as transformações do direito se operam com as expressões sociais.
Ao direito incumbe modelar, “enquadrar” e limitar os atos do homem na sociedade, objetivando a convivência mais perfeita entre os membros que a compõe.
Registre-se que o professor de sociologia Durkheim parte da idéia fundamental de que a sociedade deve ser vista como um organismo vivo. O sociólogo também concordava com o pressuposto de que as sociedades apenas se mantêm coesas quando de alguma forma compartilham sentimentos e crenças comuns.
A partir dessas considerações, entende-se que as novas realidades humanas conduzem a mudança do direito a partir do momento em que os usos e costumes vão se dilatando na sociedade, formando as novas formas de convivência entre os seres humanos.
Certo é que a realidade em que vivem certos grupos que incontestavelmente apresente algum comportamento inerente a sua condição humana e que não seja contra legem devem-se amparar no direito a fim de lhes garantir o convívio em sintonia com as normas vigentes.
Cita-se com propriedade os dizeres de MATA- MACHADO (2005, p .36) que “não há pior desordem que a injustiça” e esta injustiça infelizmente, muitas das vezes acontece em virtude de uma ordem jurídica que não acompanhou os fatos e fenômenos sociais que mudaram a sociedade.
Sabido que o modelo de família se transformou e agora se fala em Direito das Famílias. Antes, só era reconhecido o vínculo do casamento para configurar uma família. Posteriormente, a união estável ganhou a espécie de entidade familiar. E, recentemente, também os vínculos homoafetivos passaram à categoria de união estável, inclusive com a possibilidade de casamento. De acordo com o Supremo Tribunal Federal (2011) o ministro do STF Carlos Ayres Brito argumentou que “a família é a base da sociedade, e não o casamento”. Acrescentou ainda o Ministro Luiz Fux que “a forma escolhida de viver não pode esbarrar no direito”.
Aproveito ainda, para externar o voto proferido pela ex-ministra do STF Ellen Gracie na sessão de julgamento que julgava o reconhecimento da união homoafetiva como “entidade familiar” que disse “Uma sociedade decente é uma sociedade que não humilha seus integrantes” (SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2011)
Traz-se a baila decisão judicial que com fulcro na Lei Maria da Penha, o Magistrado Osmar de Aguiar Pacheco, de Rio Pardo (RS), concedeu uma medida protetiva a um homem que alegava estar sendo ameaçado por seu ex-companheiro.
Na oportunidade, o MM Juiz afirmou que as garantias legais devem valer para todos, mesmo porque, a Constituição veda qualquer forma de discriminação. Isso faz com que a união homoafetiva seja reconhecida “como fenômeno social, merecedor não só de respeito como de proteção afetiva com os instrumentos contidos na legislação”. (PACHECO, 2011)
Noutro norte, até pouco tempo, o adultério era considerado crime pelo Código Penal, contudo, com o advento da Lei 11.106 de 2005, houve a revogação do artigo 240 e desde então, o adultério passou a não ser mais considerado crime.
Salienta-se que indubitavelmente as pessoas passaram a viver em uma sociedade mais tolerante e, por talvez se sentirem mais livres, acreditam que o adultério não seria considerado como crime.
Não é de se negar que o adultério também é encarado de maneiras distintas por cada ser humano, ao passo que cada um carrega em si suas crenças e culturas aceitando ou não tal prática.
Outro fato social que mudou o direito foi a aprovação da ficha limpa que se concretizou com o clamor da sociedade que postulava mudanças profundas quanto à elegibilidade de candidatos a cargos eletivos.
Com a intenção de dar um basta na corrupção acreditava a sociedade que a criação de uma lei específica poderia eleger candidatos “honestos” para a representação da sociedade.
Registre-se, ainda, que aborto de feto anencefálico não é mais crime, conforme entendimento do STF no julgamento da ADPF 54 ocorrido em 12/04/2012, já que no caso de anencéfalo não existe vida possível conforme entendimento do ministro relator Marco Aurélio.
Declarou ainda o relator a inconstitucionalidade da interpretação aplicada aos artigos 124,126. e 128 (incisos I e III) do Código Penal que criminalizava a antecipação de parto nos casos de anencefalia.
Tal entendimento do relator foi tomado com base que é inadmissível que o direito á vida de um feto que não tenha chances de sobreviver prevaleça em detrimento das garantias a dignidade da pessoa humana.
Ora! Todos esses exemplos citados acima demostram que os fenômenos sociais transformam os valores consagrados no modo de viver do homem e que o direito, enquanto garantidor do bem comum, não pode fechar os olhos para a realidade, pois, há a necessidade que alcance todo o seio da sociedade.
A conduta humana avalia valores de ação social que são aceitáveis ou inaceitáveis de acordo com a crença individual, sendo que o direito é um fenômeno social, só havendo direito onde existe a humanidade e é nessa perspectiva que os fenômenos sociais devem acompanhar o direito, pois, afinal, o direito nasceu por criação do homem.
Por fim, se o direito é um instrumento que busca a pacificação social ele deve-se se atentar às novas experiências e mudanças sociais, ao passo que o direto e a sociedade estão inevitavelmente atrelados.
TIAGO MAURÍCIO MOTA OAB/MG 135.399